Ganhei de presente o livro Esquerda Caviar da lavra do jornalista Rodrigo Constantino. Conheci o autor do livro no final de uma entrevista sua ao Jô Soares. Achei simpático, extrovertido. Ganhei então o livro. Consumi em um mês. Um mês longo porque ele sugou toda minha energia reservada de indignação. Depois de iniciar a leitura é que descobri que Constantino escreve para a Veja. Foi bom saber deste detalhe.
Na verdade, Constantino escreve um monte de verdades. Mas, ao creditar à esquerda tudo que é ruim na sociedade ele passa a pincelar o mundo maniqueísta dos extremistas. O bom é ser liberal e encarar que o mundo se move em função do individual e não do coletivo. No seu entusiasmo escrevinhador, o jornalista cria uma série de confusões.
Você pode não estar entendendo muita coisa, mas, só para dimensionar o universo maniqueísta começo com um vício. Para Constantino fumar maconha é coisa da esquerda. Já quem fuma cigarro, tudo certo. O raciocínio dele é simples. O cidadão de esquerda é aquele que prega um mundo melhor, defende todas as bandeiras politicamente corretas, mas ele, na verdade, é um mentiroso, demagogo. Aprofundando, se você defende alguma bandeira e fuma maconha não tem saída: você é de esquerda. Agora se estivesse fazendo um discurso bonito tragando um cigarro, está ok.
Sua metralhadora giratória mira mais nos artistas espalhados por aí, sejam eles atores de Hollywood, músicos famosos (Dylan, Bono, Sting…), políticos (mais gringos do que tupinambás – por exemplo, ele não dedica impropérios ideológicos a José Dirceu, mas escancara Obama, Clinton, enfim os democratas norte-americanos, esses sim grandes pilantras mundiais). Comportamentos humanos praticados são rotulados como sendo de esquerda, mesmo que o autor da ação não tenha a menor ideia disso.
As confusões surgem à medida que você avança as páginas. Não necessariamente as páginas dos livros, mas no cotidiano. Por exemplo, uma foto que ilustra uma matéria sobre a poluição na China cria confusão. Aquele céu carregado faz refletir: a China é de esquerda ou ícone do liberalismo asiático? Poluição é sinônimo de desenvolvimento. Portanto, a China é liberal e não é agraciada com sequer uma linha da obra de Constantino.
A vida privada é fundamental para identificar um esquerda caviar. Mas não se assuste. Se você se arrependeu de toda aquele febre esquerdista de sua juventude, você está salvo (de preferência fazendo uma mea culpa em público). Não é mais do mal, passa pro outro lado bom do mundo maniqueísta de Constantino. Não é lindo isso?
O Dalai Lama é um enganadorzinho zen. E, como já citei, os democratas não são flor que se cheire. Veja só, enquanto lia o tratado extremista de Constantino é noticiado que Dalai Lama abriu os trabalhos do Congresso Norte-Americano. Imagina se isso acontecesse antes do original do livro ser entregue para rodar na gráfica. Só to vendo o Constantino ligando para o editor pedindo os originais para incluir a informação com um tá vendo? Eu tenho razão. São tudo uns cacos!
Constantino perdeu a grande oportunidade de focar sua abordagem para os sistemas políticos espalhados por aí. Apontar o dedo para os privilégios sejam eles socialistas ou social-democratas. Mas, não.
Até Constantino está meio zonzo com toda confusão que ele provoca. Na página 91, ele escreve “ quando me deparo com essa agenda cultural esquerdista, onde ‘vale tudo’, onde o único ser bizarro é o heterossexual fiel e cavalheiro, educado e atencioso, confesso que sinto vontade de ser um carola, moralista, puritano, conservador e reacionário, algo que, definitivamente, não sou“. Ele está enganado. Ele, é sim, isso tudo considerando o ponto de vista da esquerda. Legítimo, bem legítimo. Afinal, foi Constantino quem reduziu a sociedade entre o bem e o mal. Para a esquerda, Constantino é o mal.
PS: a resenha poderia se estender muito mais, pois cada parágrafo é motivo para uma nova crítica. Mas fico por aqui na esperança que Constantino não leia. Ele vai acabar bisbilhotando e descobrindo que minha formação acadêmica foi de esquerda. Do mal.