Para lembrar o Dia Nacional do Livro, registro aqui algumas passagens de _Não contem com o fim do livro, um diálogo entre Umberto Eco e Jean Claude Carrière (escritor, dramaturgo e roteirista) moderado pelo ensaista e jornalista Jean-Philippe de Tonnac.
O livro não morrerá
Eco: “Num certo momento, os homens inventaram a escrita. Podemos considerar a escrita como o prolongamento da mão e, nesse sentido, ela é quase biológica. Ela é a tecnologia da comunicação imediatamente ligada ao corpo. Quando você inventa uma coisa dessas, não pode mais dar para trás. É como ter inventado a roda. Nossas rodas de hoje são iguais às da pré-história. Ao passo que nossas invenções modernas, cinema, rádio, internet, não são biológicas”.
Nada mais efêmero do que os suportes duráveis
Carrière: “Ainda somos capazes de ler um texto impresso há cinco séculos. Mas somos incapazes de ler, não podemos mais ver, um cassete eletrônico ou um CD-ROM com apenas poucos anos de idade. A menos que guardemos nossos velhos computadores no porão”.
Eco: “A aceleração que contribui para a extinção da memória. Este é provavelmente um dos problemas mais espinhosos de nossa civilização”.
Carrière: “Nem temos certeza de que no futuro disporemos de energia suficiente para fazer funcionar todas as nossas máquinas. Pensemos no blecaute em Nova York, em julho de 2006. Imaginemos que tivesse se estendido e prolongado. Sem eletricidade, está tudo irremediavelmente perdido. m contrapartida, ainda poderemos ler livros, durante o dia, ou à noite à luz de vela, quando toda a herança audiovisual tiver desaparecido.”
Eco: “Vimos que os suportes modernos tornam-se rapidamente obsoletos. Por que correr o risco de nos atulhar-mos com objetos que correriam o risco de permanecer mudos, ilegíveis? Temos a prova científica de superioridade dos livros sobre qualquer outro objeto que nossas indústrias culturais puderam no mercado nesses últimos anos. Logo, se devo salvar alguma coisa que seja facilmente transportável e que deu provas de sua capacidade de resistir as vicissitudes do tempo, escolho o livro”.
Citar os nomes de todos os participantes da batalha de Waterloo
Carrière: “Se agora dispomos de tudo sobre tudo, sem filtragem, de uma soma ilimitada de informações acessíveis em nosso monitores, o que significa a memória? Qual o sentido dessa palavra? Quando tivermos ao nosso lado um criado eletrônico capaz de responder a todas as nossas perguntas, mas também àquelas que não podemos sequer formular, o que nos restará para conhecer? Quando nossa prótese souber tudo, absolutamente tudo, o que devemos aprender ainda?
Eco: “Aprendemos a controlar uma informação cuja autenticidade não podemos verificar. Este é evidentemente o dilema dos professores. Para fazer seu dever, os alunos vão pescar na internet as informações de que necessitam sem saber se essas informações são exatas. E como poderiam saber? Então o conselho que dou aos professores é pedir a seus alunos, no caso de um dever de casa, que façam a seguinte pesquisa: a propósito do assunto sugerido, descubra dez fontes de informação diferentes e compare-as. Trata-se de exercitar seu senso crítico face a internet, de aprender a não aceitar tudo como favas contadas”.
A revanche dos filtrados
Carrière: “O que a internet nos fornece é na realidade uma informação bruta, sem nenhum discernimento, ou quase isso, sem controle das fontes nem hierarquização. Ora, todos nós precisamos não apenas verificar, como dar sentido, isto é, organizar, colocar seu saber num momento de seu discurso (…) precisamos de um ponto de vista ou, pelo menos, de algumas referências, para abordar esse oceano encapelado do saber”.
Livro no altar e livros no “Inferno”
Carrière: “Quando começamos a ver a chegada das fotocopiadoras Rank Xerox, foi o início do fim. Você podia reproduzir o livro e levá-lo consigo. Você enchia sua casa de fotocópias. E o fato de você possuí-las fazia com que não as lesse. Estamos na mesma situação com a internet: ou você imprime, e se vê mais uma vez abarrotado de documentos que não lerá; ou você lê seu texto na tela, mas, quando clica para ir adiante em sua pesquisa, esquece o que acabou de ler, o que lhe permitiu a chegar à página agora exibida em sua tela”.
Carrière; “A ignorância nos cerca de todos os lados, frequentemente arrogante e reivindicatória. Faz inclusive proselitismo. É segura de si, proclama sua dominação pela boca estreita de nossos políticos. E o saber, frágil e cambiante, sempre ameaçado, duvidando de si mesmo, talvez seja um dos últimos refúgios da utopia”.
Amor ao livro
Eco: “Uma coleção de livros é um fenômeno masturbatório, solitário, e você raramente encontra pessoas com quem dividir sua paixão. Se você possui belíssimos quadros, as pessoas irão à sua casa admirá-los. Mas você nunca encontrará ninguém que se interesse realmente por sua coleção de velhos livros. Eles não compreendem por que você dá tamanha importância a um livrinho sem nenhum atrativo, e por que ele lhe custou anos de buscas”.
Carrière: “Uma biblioteca é um pouco uma companhia, um grupo de amigos vivos, de indivíduos. O dia em que você se sentir um pouco isolado, um pouco deprimido, você pode se dirigir a eles. Eles estão ali”.