Entrevista publicada na Revista Photo Magazine em sua edição 13, de abril/maio de 2007.
Spencer Platt, 36 anos, norte-americano de Westport (Connecticut), fotografa há dez anos, sete deles para a Getty Images. Iniciou sua profissão fotografando para pequenos jornais regionais. Com a experiência adquirida foi tentar a sorte e acabou aterrissando na Getty Images. Platt conversou, por e-mail, com a reportagem da Photo Magazine. Acompanhe a entrevista:
Começar pela foto vencedora do World Press cuja imagem retrata o conflito entre a realidade beligerante de um país com a classe burguesa representada pelas garotas que passeiam sobre os escombros como se fosse um cenário para sua diversão. Você poderia comentar esse momento e em que condições a foto foi tirada?
Eu fotografei esses jovens em um ‘mini’ vermelha pela devastação de Beirute depois de uma longa caminhada matinal pelos escombros. Estava documentando as pessoas retornando para o que lhes restara. Tinha sido um dia difícil devido a tensão entre os membros do Hezbollah, que controlavam essa área da cidade, e a mídia que queria documentar esse importante acontecimento. Eu tive a sorte de ter um ótimo guia chamado Wafa que, sendo um xiita, me levou a vários lugares da cidade. No dia anterior eu tinha andado pelas mesmas ruas que estavam totalmente desertas devido ao continuo bombardeio de Israel. Era impressionante o contraste entre os dois dias e mostrava a resistência dos Libaneses. Aproximando de uma rua atulhada de famílias em seus carros a bateria inspecionando os entulhos, acompanhei com o canto dos olhos essas pessoas em um conversível. Eu tive somente alguns segundos para capturar esse momento impar, então não havia tempo de focar ou compor o tema. Eu não tinha ideia do que havia capturado até chegar ao hotel e checar o disco no meu computador. Quando analisei a imagem me dei conta do quão incomum era a foto, única e universal em suas contradições e formas. Nós geralmente achamos que sabemos como a guerra se parece, mas não até vermos imagens ou noticias de primeira mão que nos damos conta da similaridade com nossas próprias vidas. Eu tentei capturar a vida em uma fração de segundo que pode revelar a beleza e a natureza multifacetada dos acontecimentos mundiais. Com frequência, alguém fica perdido no barulho desagradável que parece envolver nosso mundo. Opiniões e estereótipos são rapidamente formados, enquanto momentos de reflexão são progressivamente raros. Uma das reações mais comuns que recebo quanto a imagem é “isto é o Líbano?” O rico e glamouroso, enquanto que uma significante parte do passado e presente do Líbano, de alguma forma não se encaixa harmoniosa e confortavelmente na história. Talvez porque eles se pareçam muito conosco em seus carros e roupas ocidentais ou porque esperamos que se pareçam vitimas. Não conheço essas pessoas pessoalmente. É bem possível que tenham perdido suas casas e entes queridos na guerra, naquele verão. Mas o que me deixa confiante é que a imagem deles nos faz questionar a nossa compreensão sobre o Oriente Médio e aqueles vitimados pela guerra.
Não é seu primeiro prêmio. Foram dois POYs e dois APs. A conquista do World Press é mais um para a galeria ou tem um sabor especial?
Estou lisonjeado, sem palavras, pelo reconhecimento. Pessoalmente, eu não posso imaginar a pressão que é, o júri escolher uma imagem como a melhor do ano. Foi um ano extraordinário para a fotografia de imprensa. Muitos fatos importantes foram registrados. E a qualidade do fotojornalismo está melhor a cada ano. Eu estava surpreso? Sim, estava. Eu sabia que era uma imagem forte que poderia ter seu lugar no concurso. Mas precisamos ser modestos quanto nossas expectativas. World Press Photo é o Tour da França na fotografia de imprensa. Queremos estar no pódio, mas ganhar o premio é como um sonho.
Em entrevista ao site da Getty, você falou que o papel do fotojornalista é retratar a verdade dos fatos. Você concorda que com as ferramentas hoje a disposição dos fotógrafos a verdade dos fatos está cada vez mais ameaçada?
Sim, a verdade é constantemente mudada nos dias de hoje. Nós estamos em um mundo pós-moderno onde há até debates sobre o que é a verdade. Eu sou muito mais um purista, minha reportagem pode ser facilmente lida e nunca é manipulada. Sei muito pouco sobre Photoshop. É simplesmente uma ferramenta de ajuste de tons das fotografias. Tem havido casos de fotojornalistas que alteram suas imagens. Isso é muito penoso. Um golpe para a nossa comunidade e integridade como jornalistas. O que subsequentemente levanta suspeita sobre tudo o que fazemos.
Você também fala na composição entre o senso jornalístico e a arte na captura de uma imagem. Esse é o segredo para uma imagem tornar-se clássica?
Sim, é um desafio trazer a criatividade para uma imagem, mas não deixar usurpar o assunto. O assunto é o que é importante, não a natureza artística disso. Muitas vezes é tão fácil se entusiasmar com a arte da fotografia e perder de vista a sua missão como fotografo-repórter. Você tem que ser verdadeiro e honesto com o seu assunto, dar a eles dignidade.
Você fotografa para as coleções News e Sports da Getty. Quais as coberturas de eventos esportivos e guerras que você destacaria trabalhando para a Getty?
Como é a cidade onde moro, o 11 de setembro, e por ter mudado o curso da história para sempre. Sejam quais forem os eventos subseqüentes, o mundo nunca será o mesmo depois daquele dia. Também foi o dia em que uma foto minha correu o mundo: o primeiro momento que percebi o impacto que poderia ter como fotojornalista no entendimento do nosso mundo contemporâneo e na história.
Alguma situação de risco no desenvolvimento de seu trabalho. Poderia relatar para o leitor?
Não sou um viciado em guerra. Não me considero particularmente corajoso. É um trabalho que desenvolvo em função da paixão por viagens e reportagens. Considero isto como uma tarefa em me aventurar por partes do mundo tão frequentemente ignoradas. Eu sempre tenho cuidado e sigo conselho de locais. Enquanto há momentos muito intensos, você espera e observa.
Deixaria uma mensagem para quem deseja ser um fotojornalista?
Leia sobre literatura e história. Tente entender o seu mundo e tenha curiosidade sobre ele. Não se torne obsessivo com equipamentos e ensino. Se você tiver isso, a paixão pela vida de jornalista se manifestará com o tempo.
Na próxima semana a entrevista com o fotógrafo brasileiro João Kehl, também vencedor do WPP