Entrevista concedida a André Teixeira e publicada na edição 23 da Revista Photo Magazine
Nascido em 1956 em Belém do Pará, Braga desenvolveu uma bem-sucedida carreira como fotógrafo, digamos, “comercial”, que lhe permitiu investir na fotografia autoral, voltada para os temas que lhe são tão próximos e conhecidos: o povo, a cultura, as tradições e as múltiplas fontes de luz e cor de sua terra natal. Trabalhos que já lhe renderam prestígio e prêmios como o Leopold Godowsky Jr., a Bolsa Vitae de Artes e, mais recentemente, o Porto Seguro. Reconhecimento justo e merecido para um profissional que, fiel às origens e sem cair na tentação de olhar a Amazônia superficialmente, constrói uma obra de valor e impacto universais. Nesta entrevista, ele fala sobre sua carreira, os prêmios, o mercado editorial para a fotografia e suas influências na fotografia, entre outros temas
Como e quando você começou a fotografar?
Aos 11 anos, ganhei uma câmera de presente e resolvi desvendar aquela caixa mágica cheia de botões e números. Pedi ajuda ao fotógrafo da família e até encomendei o kit do curso por correspondência que vinha nos gibis que eu comprava. Improvisei um quarto escuro no porão de casa e mergulhei na delícia de fotografar. Naquela época, era uma brincadeira deliciosa, despretensiosa, que foi trocada pela guitarra das bandas de rock e depois pelo super-8. No entanto, aos 17 anos ela retornou como quem não quer nada e tomou conta de mim, dessa vez para valer.
Muita gente se encanta com a fotografia na juventude, mas, por diversos motivos, acaba não se tornando um profissional. Como foi essa sua passagem do amador para o profissional?
No meu caso, a opção pelo profissional se fez pela necessidade que eu tinha de comprar os equipamentos e material necessário, como filmes e papéis, sem onerar o meu pai, e também porque achava que era uma maneira de assumir minha escolha, de torná-la séria. Para mim, era natural viver daquilo que eu gostava de fazer. Iniciei minha carreira profissional ao mesmo tempo em que ingressava na faculdade de arquitetura da UFPA, de onde tirei ensinamentos que me são úteis até hoje.
Fale sobre sua carreira: lugares onde trabalhou, prêmios que recebeu, livros publicados, o que vem fazendo atualmente.
Montei meu primeiro estúdio em 1975, e logo percebi que numa rua que virava rio toda vez que chovia – e em Belém chove muito – não ia funcionar. Depois colaborei com os jornais de Belém, fotografando variedades, e fui convidado para trabalhar na Mendes Publicidade, onde fiquei por pouco tempo, pois as aulas da faculdade de arquitetura me ocupavam muito, impedindo um emprego formal. Voltei a ser free-lancer. Fazia retratos, publicidade, arquitetura, industrial, enfim, clínica geral. Isso me dava recursos para fazer as fotos autorais, aquela fórmula conhecida do trabalho comercial provendo o pessoal. Com o amadurecimento, consegui alcançar o que antes parecia utopia: ganhar a vida, literalmente, fotografando o que gosto, com algumas exceções. Ao aprofundar meu trabalho pessoal, eu fui ao encontro da origem da minha fotografia: o prazer!
Com uma vantagem: o reconhecimento, em forma de prêmios…
Eles também são prazerosos, pois são um reconhecimento ao trabalho. Lembro que, em 1990, quando ligaram de Boston para me dizer que eu havia ganho o Leopold Godowsky Jr Color Photography Award, eu pedi para a moça ligar de novo para confirmar. Ele foi muito importante para mim, pois me mostrou que meu trabalho era universal. Parece bobagem, mas estamos falando de um autor que optou por continuar vivendo e trabalhando em Belém, numa época sem internet.
Longe dos grandes centros…
Até por essa opção, tenho poucos livros publicados: Retratos Amazônicos, publicado pelo MAM/SP em 2005, e o Foto-Portátil/Luiz Braga, da Cosac&Naif. Agora em novembro, com patrocínio da Natura, vou lançar Crônica Fotográfica do Universo Mágico do Ver-o-Peso, resultado de quase 20 anos de imagens que fiz no grande mercado de Belém, que para mim é uma síntese da cultura amazônica, por suas cores, sabores e saberes.
Num texto de 2003, você diz que “sua opção pela Amazônia é simples e natural, passando ao largo do modismo ecológico…”. O que significa, na prática, essa opção?
Quando me referi ao modismo, quis mencionar os oportunistas de plantão que vêem na Amazônia e suas questões uma catapulta para suas carreiras. A Amazônia profunda requer amadurecimento. Nela, a cadência do tempo é outra. Meu trabalho se desenvolveu sem pressa, foi se construindo na medida em que eu caminhava e demarcava o que hoje chamo de “Território do Olhar”.
O que, ou como, seria esse território?
Um lugar interior, uma geografia íntima formada de lembranças, cheiros, sensações, cores, que estão impregnados no meu olhar e que vão comigo aonde eu for. É um território portátil e em mutação na medida em que eu aprofundo meu fazer fotográfico. Na verdade, a fotografia e suas possibilidades são o verdadeiro encanto que me conduz desde o início. Ela se renova a cada mergulho.
Essa opção continua ou você abriu o leque do seu olhar?
Hoje estou expandindo meu olhar em direção ao céu, aos planos abertos, aos tempos longos, mas certas “letras” estão incorporadas nesse trabalho, como a mistura de luzes.
A Amazônia é um tema fascinante para a grande maioria dos fotógrafos, que há muitos anos partem do mundo inteiro para explorar suas belezas. Como morador da região, seu olhar se distancia do desses, digamos, exploradores, novos ou antigos, da região? Poderia se dizer que você busca algo diferente do que eles? O quê?
Busco um olhar da Amazônia sobre si mesma, já dizia o Herkenhoff em 1987 sobre meu trabalho. O olhar passageiro, afoito, não me interessa. Aqui, o ritmo é outro. Essa imagem do fotógrafo “Indiana Jones” não me interessa. O que me interessa antes de tudo é a fotografia. Ela pode ser boa ou ruim. E aí não adianta o cara me contar uma história mirabolante sobre quantas cobras teve que enfrentar para fazer a foto, se ela não for uma boa foto. Essa visão de eldorado ainda é reforçada pelo olhar míope de muitos que não se permitem mergulhar e se impregnar pelo lugar. São passageiros a serviço de um estereótipo.
Isso cria uma visão distorcida sobre a região?
O pior é que esse estereótipo contamina muitas vezes o olhar do público sobre o meu trabalho. Já cansei de explicar que não é porque a menina tem traços índios – quase 100% das pessoas aqui têm – e está vestindo short e bustiê – aqui faz muito calor – que ela é prostituta! Falo disso porque muitas das minhas fotos exaltam a beleza da cabocla e algumas pessoas enxergam errado, por conta da massificação da imagem. Até para tratar de assuntos difíceis como a devastação e a prostituição infantil, que aliás infelizmente não existe só aqui, há que ter comprometimento ético, delicadeza e seriedade.
Quais foram suas principais influências na fotografia? E hoje, que fotógrafos você admira, tanto no Brasil quanto lá fora?
No início, o time da Realidade, com ênfase para Maureen Bisilliat, a quem continuo a admirar pela elegância, ética e delicadeza no tratamento do tema brasileiro, coisa que falta a muitos apressados e oportunistas que visam apenas realizar lucro sem qualquer compromisso. Gosto do Cristiano Mascaro, pela afinidade na arquitetura e no traçado de suas linhas, do Cássio Vasconcelos pelo rigor estético e seriedade em tudo que faz. Lá fora tem o Joel Meyerowitz e o Alex Webb, que inclusive ganhou dois anos antes de mim o prêmio Leopold Godowsky, o que me deixou muito honrado. Posso citar ainda o Josef Koudelka, Steichen, Robert Frank e por aí vai. No entanto, minhas influências têm também muito de artistas como Hopper, Rembrandt, Hockney, Degas e tantos outros que conheci através dos fascículos que meu pai comprava para mim quando criança.
Fale também sobre alguns nomes promissores mas ainda pouco conhecidos da fotografia do Norte do Brasil.
Há uma série de jovens fotógrafos iniciando sua caminhada, poderia citar o Daniel Cruz e o Michel Pinho. No workshop de Paraty conheci o trabalho de tantos outros, de outras regiões, como a Gisele Gomes, de São Paulo e o Jean Lopes, de Natal. Gostaria de ressaltar que hoje, ao contrário de 20 anos atrás, grande parte dos trabalhos transita pela cor. Lembro quando essa opção causava estranhamento nas pessoas que acreditavam que fine art era unicamente em PB!
Após algumas exposições em preto-e-branco, no início da carreira, seu trabalho é basicamente em cor. Alguma explicação para isso ou essa opção flui naturalmente?
A cor, como quase tudo em meu trabalho, veio se impondo naturalmente. Ela surgiu no início dos anos 1980, quando no percurso para a faculdade, que fica na periferia de Belém, eu percebi que lá as casas, bares, carrinhos e barcos tinham uma cor diferente do resto da cidade. Eram cores primárias, combinações incríveis, geométricas. Nada de bege ou pastel. Isso me encantou e quando vi estava mergulhado no universo da visualidade popular da Amazônia. Movido sempre pela intuição e curiosidade.
Seu olho “trabalha” diferente quando trabalha em cor e em PB? Quais são as diferenças básicas?
Meu olhar foi se aprimorando na medida em que eu crescia. Minha origem fotográfica está no PB dos álbuns de família e revistas da minha infância, mas a cor conquistou um espaço que me afirmou como autor. Minhas imagens em cor “morrem” se você as passa para PB. Mas nunca deixei de fotografar em PB. Nem me lembro das cores da imagens que realizei em PB.