Entrevista concedida a André Teixeira e publicada na edição 22 da Photo Magazine/Dezembro de 2008.
Aos 20 anos, ele recusou um estágio na Globo para continuar sua carreira de fotógrafo, iniciada apenas um ano antes, quando empunhou pela primeira vez na vida uma câmera. Não há motivo para arrependimento. Nesse período, Salgado se transformou num dos mais importantes nomes da nossa fotografia publicitária, atuando tanto no mercado do Rio quanto no paulista, vencedor da última edição do Prêmio Conrado Wessel – o mais importante da publicidade brasileira.
Na entrevista abaixo, ela fala de sua trajetória, das dificuldades do mercado e de questões como manipulação e arquivamento de imagens:
Fale sobre seu início na fotografia.
Meu sonho era ser jornalista esportivo. Estudei jornalismo numa faculdade experimental bem bacana, onde a gente fazia programas de TV, cinema, jornais, enfim, praticava bastante. Aí comecei a fazer fotos para matérias, mas não senti muito interesse por aquilo. No segundo semestre, tive aulas com o Hugo Denizart, e passei a curtir mais aquilo. Ele acabou me elegendo “o olho” da turma. Eu tinha uma Leica 59, do meu pai, bem arcaica. Comprei uma Nikon e fiz uma viagem ao Peru, onde fiz um monte de fotos legais. Na volta, o Hugo viu as fotos e sugeriu uma exposição, fez a curadoria, me ajudou. A exposição rodou por vários lugares, teve um destaque bacana, aí o Luiz Carlos Barreto, que era amigo do meu pai, me chamou para trabalhar com ele, fazendo still. Comecei assim.
Com que idade?
Eu tinha uns 20 anos. Até os 19 eu nunca tinha feito um clique sequer na vida. Continuei um tempo com um grupo de cinema na faculdade, fazendo uns curtas, mas acabei escolhendo a fotografia quando me formei em jornalismo. Cheguei a ser convidado pelo Armando Nogueira para estagiar na Globo, mas recusei. Já estava legal com a fotografia, ganhando dinheiro, gostando. A ideia de ser jornalista esportivo morreu ali.
E na publicidade, como entrou?
Um ano depois dessa história eu montei um estúdio com um amigo, Roberto Amadeu. Meu irmão trabalhava em publicidade e começou a me passar uns trabalhos, e assim fui montando meu portfólio. Dividimos um estúdio com um fotógrafo belga, Michel Harz, que era o melhor do Brasil em fotos de joias e cigarros. Ele estava se aposentando e meio que nos adotou, dava aulas para gente. Fiz um outro curso com o Richard Welton, que tinha um estúdio famoso no Rio, e assim fui aprendendo e tocando a carreira. Na verdade, segui um caminho diferente da maioria: não fui assistente de ninguém, aprendi já fotografando.
Como foi a mudança do filme para o digital na publicidade?
Isso começou mais aqui no Rio. Eu tinha aberto uma frente em São Paulo, trabalhei bastante lá, e acompanhei bem o processo. A publicidade aqui começou a cair, a ficar mais pobre, enquanto a de São Paulo crescia bastante. São Paulo tinha uma resistência enorme ao digital até o ano de 2000, lá havia uma demanda enorme, o pessoal cobrava o que queria e tinha prazos maiores para entregar, enquanto aqui a gente tinha que oferecer agilidade, por isso a coisa começou por aqui.
Como eram os primeiros equipamentos?
O Mauro Hirsch foi um dos primeiros a trazer, eram photoscanners, você na verdade escaneava o objeto, era uma exposição de três, cinco minutos. Só dava para fazer fotos de produtos.
E você, quando aderiu?
Quando voltei definitivamente para o Rio, me senti defasado, já havia uns cinco fotografando em digital, fazendo manipulação. Tive que correr atrás desse conhecimento. Repensei meu estúdio, fiquei só com dois funcionários, para ver o que ia fazer. Nessa época a Kodak lançou uma câmera one-shot digital, A Sinar também já tinha lançado uma, bem mais cara. A da Kodak valia mais a pena, e aí comprei uma. Eu já tinha alguns computadores, já tentava manipular algumas fotos, mas era meio embrionário nessa época, por volta de 97. Ninguém mexia muito bem nisso. Levei uns dois anos para formar uma equipe boa para entrar de vez no digital. A mudança foi exatamente aí.
O ato de fotografar é muito diferente nos dois processos?
Muito. Com o filme, há um perfeccionismo maior, eu sei que no digital posso corrigir com muito mais facilidades pequenas imperfeições. Não me preocupo com a gotinha que escorre na garrafa de refrigerante, sei que é muito simples tirá-la no computador. A produção fica mais rápida, mais ágil. O perfeccionismo vai para a pós-produção.
Você hoje é mais fotógrafo ou mais um manipulador de imagens?
A gente pode dizer que sou mais um criador de imagens. Eu não mexo nas fotos, quem faz isso é a equipe, mas meu olho está por trás de tudo. Sou muito detalhista, trouxe isso da película, isso faz a diferença.
Está melhor hoje para o fotógrafo?
Sem dúvida, a vida melhorou com essa agilidade. Hoje conseguimos com fotografia o que só era possível com ilustrações. Conseguimos realizar sonhos, criar imagens que não eram possíveis.
Numa foto publicitária, o que há do dedo do fotógrafo no processo criativo?
No fundo, sou um realizador de imagens imaginadas por outra pessoa. Mas tenho liberdade para sugerir alterações, dar sugestões. Com a experiência que você vai adquirindo ao longo do tempo, você vai ganhando cacife para mostrar outros caminhos. Às vezes sua sugestão é aceita, às vezes não. O importante da direção de arte é saber dividir o trabalho, ouvir opiniões. Eu brinco que somos como o padrasto: não cria o filho da esposa, mas orienta, dá uns toques, por aí. Há um trabalho em conjunto, às vezes mais, às vezes menos.
Algum exemplo dessa colaboração?
Na própria foto que ganhou o Conrado Wessel (foto de abertura), o vestido que a garota usa foi uma sugestão minha. O diretor da novela e a diretora de arte não gostavam desse vestido. Mesmo assim, fiz dois cliques com ele, e o resto da sessão com outro. Na hora de enviar as fotos, não gostei do vestido que eles tinham escolhido, e montei uma foto com a expressão da menina que eles tinham gostado com o vestido que eu preferia. Minha opção acabou sendo a aprovada.
Como é calculado o preço de uma fotografia publicitária? O que entra nessa conta?
Principalmente a dificuldade, o tempo que ela leva. Tem que levar em conta a permanência da foto na mídia, se é para revista, jornal ou outdoor, uma série de fatores. Se eu parar minha equipe por uma semana, é claro que o trabalho terá que ser mais caro.
As agências têm fotógrafos mais ou menos fixos ou fazem cotação de preço com vários?
Normalmente acontece uma concorrência, e muitas vezes desleal. É comum elas chamarem profissionais de gabarito diferentes e pedirem que a gente chegue no preço do mais novo. Dependendo da necessidade você acaba topando, mas geralmente não.
A digitalização da fotografia trouxe para o mercado gente que não conseguiria se profissionalizar se trabalhasse com película?
Acho que não. O essencial nos dois sistemas é a luz, e ela é igual tanto no filme quanto no digital. Um teste bom é a luz de cinema. Bota uma na mão de um cara: se for bom, arrebenta; se for ruim, vai fazer besteira. A fotografia perdeu aquele romantismo, o importante é a imagem, o resultado, e os programas como Photoshop e 3-D são ferramentas ótimas para isso.
Que equipamento você usa?
Uso uma Hasselblad de 39 megapixels e uma 5D, da Canon, mas estou comprando uma Mark III, que é uma máquina mais de mão, para coisas rápidas, fotos de viagens, com lentes diversas. De luz tenho tudo, de cinema, de tungstênio, vários flashes.
Muitas fotos publicitárias são, na verdade, colagens de várias fotos. Você tem um banco de imagem próprio para isso?
Tenho mais de 40 mil imagens no meu banco. Fotografo tudo que vejo, do chão ao céu. Sempre viajo e fotografo nas férias, minha mulher tem uma paciência de Jó.
Uma das questões ainda não resolvidas da fotografia digital é a do arquivamento das imagens. Como você lida com isso?
Já tive problemas sérios, computadores roubados e até um HD que um dia simplesmente “deu pau” e nunca mais abriu. Perdi muito material. Estou comprando HDs novos, de até quatro terabites, e também gravo tudo em DVD. Organizar tudo isso é outro problema, catalogar tudo por palavras-chaves, para a foto ser encontrada facilmente, tanto por mim quanto para eventuais clientes de um futuro banco de imagem.
Existem fotógrafos especializados em determinadas áreas ou a maioria faz tudo?
Há algumas áreas mais específicas, como comida, e moda. É gente que gosta muito do assunto, principalmente moda, que é uma área que não paga tanto e que toma muito tempo, você depende de vários fatores que não controla, como o tempo. Se o sol não sai, você não trabalha, e isso é complicado.