Matéria publicado na Revista Photo Magazine, na edição de junho/julho/2009. Entrevista concedida ao jornalista Bola Teixeira.
O trabalho do fotojornalista argentino Walter Astrada realizado no Quênia pode ser considerado um fenômeno. Somente nos primeiros meses de 2009, Astrada foi anunciado vencedor de três importantes prêmios mundo afora: World Press na categoria Spot News; de melhor fotógrafo do ano pela sueca PGA – Photographers Giving Back – e, mais recente, também como melhor fotojornalista do ano pela norte-americana National Press Photographers Association (NPPA).
Free lancer por opção, Astrada, de 34 anos, começou como fotojornalista no La Nacion, na Argentina. Mas como, segundo ele, o mundo não terminava na cobertura de um jornal diário, colocou o pé na estrada e foi em busca da extensão do mundo. Passou pelo Brasil, Chile, Bolívia, Peru, Paraguai e República Dominicana, até chegar a Espanha em 2006. Sempre em busca de bolsas para patrocinar seus projetos autorais, Astrada queria mesmo é chegar até a África e, numa espécie de sorte procurada, acabou aterrisando no Quênia onde realizou o premiado ensaio.
Atualmente no Quênia, o fotógrafo argentino trocou e-mails com a redação da Photo Magazine, concedendo entrevista exclusiva. Acompanhe a emocionante história de um fotojornalista free lancer nas páginas a seguir:
Quando Jonas Lemberg, da PGB, disponibilizou as suas imagens e olhando uma a uma todos aqui da redação ficamos impressionados. Suas imagens retratam, sem retoques, a realidade cruel de um continente, no caso o africano. Sendo um free lancer, que motivações te levaram para a África e escolher os temas retratados?
Sempre quis trabalhar na África. Mas não é um lugar fácil para trabalhar, já que há poucos postos fixos para fotógrafos com agências e muito menos com periódicos. Assim que, estando na Espanha durante as festas de final de ano em 2007, saiu a notícia dos distúrbios logo após as eleições no Quênia. Comecei a pensar em ir, mas não tinha dinheiro para a passagem de avião e não estava ainda clara a dimensão da gravidade. No dia 1º de janeiro queimaram uma igreja com mais ou menos de 30 pessoas, em Eldoret no oeste do Quênia, e aí decidi que deveria ir, como fui. Mas seguia com um problema de orçamento, e comentei a um amigo que trabalha para EPA. Num par de horas ele me conseguiu um contrato de 10 dias. Com esse dinheiro comprei uma passagem de avião e contatei um amigo que é o chefe da AFP para África Oriental, se ele poderia me conceder alojamento em sua casa. Com essas duas coisas cheguei ao Quênia no dia 4 de janeiro, Depois de trabalhar 10 dias para EPA acabou o contrato e o amigo me levou para trabalhar com ele como stringer (colaborador) com a AFP. Trabalhei até o dia 25 de fevereiro, e durante a cobertura, fomos concebendo a possibilidade de ficar na região trabalhando como free lancer e colaborando com a AFP. Meu sonho de poder trabalhar na África começou com uma espécie de sorte procurada.
O fato de ser um free lancer te dá liberdade de buscar os temas que mais lhe chamam a atenção e com apelo jornalístico?
Ser free lancer te dá a liberdade de poder fazer os temas que você quer, mas tem o outro lado, que deves pagar os seus gastos. Isto é, por um lado você tem a liberdade de fazer o que queres, mas do outro tem a limitação de dinheiro. A situação que estou agora de trabalhar como free lancer e ao mesmo tempo colaborar com uma agência de notícias, é que por um lado cubro notícias que de forma independente seria difícil de cobrir por causa dos gastos, e, por outro lado, quando consigo dinheiro para continuar com meus projetos, posso ir o tempo que necessitar.
Como se dá a sua relação no momento de comercializar as imagens. Você negocia com as agências, somente, ou também direto com jornais e revistas?
Meu trabalho está dividido em duas partes: uma é quando a agência necessita que trabalhe para eles, faço as fotos, as envio e eles as distribuem através de seus serviços. Depois está o trabalho que faço por minha conta. As fotos que faço nos meus projetos. Trato de vendê-las com alguns contatos que tenho com editores (não muitos, na verdade). Ou senão um editor me contata diretamente. Durante uns dois anos estava com uma agência que me distribuía as fotos, mas não me resultava, porque perdia bastante porcentagem durante as vendas e eles não pagavam nada dos meus gastos. Agora estou estudando possibilidades de como distribuir meu material diretamente.
Você é free lancer por opção?
Sempre quis trabalhar na forma de free lancer, mas a verdade é que fiz a viagem inversa. Desde meu primeiro trabalho no La Nacion até quando trabalhei com a AP sempre estive fixo. Mas creia que esse trabalho me amarrou bastante ao que eles necessitavam mais do que eu queria documentar. Portanto, depois de ter trabalhado por um baixo salário por quase oito anos, me pus a trabalhar como free lancer. No princípio foi muito difícil, porque não há muito ingresso de dinheiro. Mas permitiu organizar-me e ver exatamente que é o que eu queria fazer e como queria fazer. Assim foi como comecei o projeto de documentar a violência contra as mulheres. As últimas poupanças foram destinadas a minha viagem a Guatemala (feminicídio, foto abaixo), e a partir daí tenho me dedicado a postular para bolsas com as quais posso desenvolver o projeto em suas diversas etapas. Fui muito feliz no trabalho da Guatemala. Recebi vários prêmios de fotografia, o que me deu a possibilidade de exposição e que muita gente tenha podido ver, já que publica-lo na mídia foi quase impossível. Somente três revistas publicaram.
Como você costuma trabalhar? Sozinho, ou com um jornalista?
Normalmente em meus projetos pessoais, trabalho sozinho. Não devemos esquecer que não somos somente fotógrafos, também informamos. Por essa razão me defino como fotojornalista. Quando trabalho para a AFP pode ser que coincidamos com jornalistas da agência, mas o trabalho é mais de compartilhar informação.
Sobre a sua fotografia. O que mais impressiona é a pouca distância e muita ação dos fatos. As expressões dos personagens parecem que saltam as imagens.
Trabalho próximo e no meio da ação porque é como acredito que logro que as pessoas que vejam as fotos, se sintam envolvidas. Trato de situar as pessoas no lugar em que estive, e que sintam o que eu senti quando estive ali. Por isso prefiro estar no meio da ação, como as pessoas que estão passando por essa situação de violência, maltrato, etc. Eles não podem decidir, por isso sinto que é meu trabalho mostrar o que ocorre com eles. Se trabalhar com teles, seria como se estivesse olhando um filme, creio que é distante a forma de olhar as fotos. É mais como se fosse esportes, um espetáculo. Não me sentiria bem fotografando a distância. E, além disso, eu gosto, por exemplo quando estou fazendo um trabalho, que as pessoas me vejam trabalhando, que sinta que estou próximo. Ainda que por dentro tenho um medo que me matem, o que as pessoas te vejam próximo, ajuda para que se sintam confortáveis com sua presença. No entanto com uma tele, seria como estar “roubando” as imagens.
O segredo é uma 50mm? Que equipamento você utiliza?
Quando trabalho em meus projetos, uso somente uma câmara digital com um 17/55 f2.8, da Nikon. Se é câmara de filme utilizo uma 24-70 também f2.8. Se trabalho para a agência carrego dois corpos. No segundo levo uma 70-200, que, na verdade, uso bem pouco.
Sua permanência na África é um ciclo de seu trabalho ou pretende ficar por muito tempo retratando o cotidiano de conflitos do continente?
Agora estou baseado na África Oriental. Neste momento estou fazendo um trabalho sobre violência sexual no Congo, graças a uma bolsa do festival de fotografia Revela, de Oleiros, na Espanha. No prêmio como fotógrafo do ano da PGB, se pode ver oito fotos dessa reportagem.
Muitos prêmios no seu currículo, inclusive dois Word Press e a primeira edição do PGB. No que esses prêmios influenciam no seu trabalho?
A verdade é que esses prêmios tem me ajudado a poder mostrar alguns trabalhos que muitas vezes não foram publicados na mídia, mas que tenham sido visto por milhares de pessoas. É o caso das exposições da WPP, etc. Por outro lado, o dinheiro que acompanha esses prêmios, permite continuar com meus projetos autorais, como, por exemplo, fazer uma segunda viagem a Guatemala depois de receber o primeiro WPP.
Você ficou por pouco tempo trabalhando na Argentina. Esta vida de aventuras e riscos por vários países foi planejada?
Eu queria viajar e conhecer outras culturas. Sentia que se eu ficasse em Buenos Aires, não poderia ver, observar e desfrutar da variedade de culturas que há no mundo. Sentia que me faltava algo, que o mundo não era somente trabalhar de fotógrafo fazendo fotos para um diário. Assim decidi sair de viagem. Comecei precisamente no Brasil, em Salvador, na Bahia. Não trabalho em outros países pela aventura, trabalho porque me permite poder conhecer outras realidades, culturas e pessoas.
Quais foram suas influências na fotografia?
Várias. Não tenho nada em particular que me tenha influenciado mais que outros. Tenho visto muita fotografia, e tenho aprendido muito de meus colegas. Com os que tenho trabalhado ao largo de todos estes anos.
O que você diria a um jovem fotojornalista que busca uma vida de aventuras?
O primeiro é que quando viajar, que o faça com a cabeça mais aberta possível, que se deixe surpreender, que desfrute, analise e a partir daí que vá realizando reportagens. Também não precisamos viajar para fazer isso. Muitas vezes as histórias estão ao nosso redor.