Drauzio Varella é figura notória da sociedade brasileira. Como médico, decidiu realizar um trabalho voluntário nos presídios paulistanos, especialmente no Carandiru. Aliás, sua experiência na implodida prisão foi relatada no livro Estação Carandiru, que foi levada as telonas pelo cineasta Hector Babenco, de tremendo sucesso.
Em Carcereiros, Drauzio Varella aborda o outro lado da moeda: as histórias dos carcereiros com quem trabalhou. Nas 226 páginas de Carcereiros, seu autor intercala histórias – dramáticas e divertidas – envolvendo carcereiros e muitas reflexões a respeito do sistema prisional brasileiro. Ele tem uma convicção: desde que a PM invadiu o pavilhão 9 de Carandiru e executou 111 presos, a guerra terminou, e com derrota. A partir daí tudo mudou. Surgiu o PCC graças aquele fatídico dia e hoje as prisões são comandadas – de fato – pelos prisioneiros.
Quando jovem, Drauzio Varella gostava de acompanhar as histórias sobre marginalidade, os ladrões e assassinos famosos. Já formado, trabalhou, como voluntário, por 13 anos na Detenção, popularmente conhecido como Carandiru. “Estava tão envolvido com aquele universo, que abrir mão dele significava admitir passar o resto da existência no convívio exclusivo com pessoas da mesma classe social e com valores semelhantes ao meu, sem a oportunidade de me deparar com o contraditório, com o avesso da vida que levo, com a face mais indigna da desigualdade social, sem ouvir histórias que não passariam pela cabeça do ficcionista mais criativo, sem conhecer a ralé desprezível que a sociedade finge não existir, a escória humana que compõe a legião de perdedores que um dia imaginou realizar seus anseios pela via do crime, e acabou enjaulado num presídio brasileiro”, relata o autor logo no início do livro sobre seu envolvimento com o trabalho voluntário que escolheu.
Sobre a convivência com os profissionais no cotidiano das prisões: “Nessas horas que passamos juntos, tento não perder uma frase, um gesto, uma expressão idiomática; procuro aprender o máximo que posso. Não consigo sequer imaginar quem seria hoje sem o privilégio dessa convivência, sem privar da amizade sincera de homens que dão valor a palavra, a companhia dos amigos, a solidariedade, e que viveram aventuras com as quais nem sonha o comum dos mortais. Mergulho integralmente nesse universo, consciente da preciosidade que me é oferecida, esqueço os problemas, as preocupações com os doentes, os desencontros, e me divirto com as gozações mútuas que provocam explosões de risos em série”.
No capítulo A Tortura, o autor faz uma crítica voraz à instituição tortura, da forma que a sociedade encara a tortura. “Diante de um Estado que não cumpre o dever essencial de proteger o cidadão do mal que terceiros possam fazer contra ele, e sem poder confiar na ação morosa da Justiça, a sociedade entrega de bom grado às forças de repressão a tarefa de castigar”. A tortura não é exclusividade das ditaduras, existe até hoje perpetrada contra anônimos sob as vistas grossas da sociedade.
Já no final do livro, Drauzio Varella decreta diante da sensação da guerra perdida: “Reduzir a população carcerária é imperativo urgente. Não cabe discutir se somos a favor ou contra: não existe alternativa. Empilhar homens em espaços cada vez mais exíguos não é mera questão de direitos humanos, é um perigo que ameaça a todos nós. Um dia eles voltarão as ruas”.