Matéria publicada na edição 23 da Revista Photo Magazine, assinada por André Teixeira.
Complexo do Alemão, Rocinha, Acari, Vila Kennedy, Rio das Pedras, Carobinha… não é exatamente um roteiro turístico, mas muita gente vê em tais cenários – favelas das mais violentas do Rio – inspiração para fotos que misturam informação e beleza, denúncia e poesia. Principalmente se o Exército manda tropas para garantir a lisura e o bom andamento de um processo eleitoral marcado por denúncias de manipulação e irregularidades. É o caso de Severino Silva, repórter-fotográfico do jornal O Dia, que acompanhou toda a movimentação das Forças Armadas no Rio no período anterior às últimas eleições para prefeito, produzindo imagens como as que vemos nessas páginas. “Foi uma ótima oportunidade de fazer boas imagens, diferentes das do dia-a-dia”, empolga-se o fotógrafo.
Um dos especialistas na cobertura da violência carioca, Severino acompanhou toda a movimentação das tropas. “Fui a todas as comunidades em que elas atuaram”, diz. O mais impactante desses momentos, segundo ele, é o “choque de realidades”. Imagens como a de tanques passando ao lado de montes de lixo e carcaças de carro lhe faziam lembrar cenas de cidades em guerra, o que, pelo menos oficialmente, não é o caso do Rio. “Parecia outro país”, lembra.
Até a presença do Exército ser anunciada, ele estava fora da cobertura da eleição. “Ficava mais com a cobertura do dia-a-dia, da violência, como sempre. Mas com a chegada dos militares a coisa muda de figura”, explica. Para seu alívio – e de todos os envolvidos, especialmente os moradores das comunidades –, não houve reação violenta dos traficantes. “Não ouvi um só tiro. O pessoal recolhe as armas quando o Exército chega”, comenta.
As armas podem ser retiradas, temporariamente, de circulação, mas a presença dos bandidos não deixa de ser sentida – ou ouvida. “Dava para ouvir, pelo rádio dos militares, as gracinhas que os traficantes falavam sobre eles”, lembra. O clima de paz, de acordo com o fotógrafo, é bem aceito pela maioria dos moradores. “Eles passam por nós e, bem baixinho, dizem que a ocupação deveria ser permanente, não apenas durante as eleições”, conta.
Ele trabalhou em digital, com a câmera programada para fotos em cor, mas boa parte do material foi transformada em preto-e-branco. “Em muitas fotos, eu via na hora do clique que elas ficariam melhor em PB, mas não podia deixar de fazer em cor, porque podia perder alguma cena importante para o jornal, que é todo em cor. O jeito foi transformá-las depois, no computador”, explica.
A ocupação rendeu boas fotos, mas à custa, ele ressalta, de muito trabalho. “Quase todo dia, eu entrava às sete da manhã e saía às cinco, seis da tarde”, lembra. Para agilizar o fechamento e abastecer a agência de notícias, enviava os cartões de memória para a redação por motoqueiros. Trabalheira que valeu a pena, segundo o próprio e os colegas que viram o material. “Já montei, com o Guillermo Planel (diretor de Abaixando a Máquina, documentário sobre o dia-a-dia dos repórteres-fotográficos dos jornais cariocas), uma projeção, e pretendo fazer também uma exposição”, diz Severo, como é conhecido entre os colegas. Material de qualidade para isso não falta.