Argentina, 1985, filme de 2022, é uma aula de como combater os desvios democráticos ao colocar no banco dos réus os militares responsáveis pelo tenebroso período histórico que a Argentina passou de 1976 a 1983. Ao assisti-lo, a cena que mais chama a atenção é a humilhação imposta aos militares entrando em fila indiana e sentados de forma perfilada no plenário onde aconteceu o julgamento.
Só esta simbologia seria o suficiente para que os argentinos nunca mais permitam uma aventura como aquela que enfrentaram. Poderia ter acontecido aqui também, mas a classe política e de justiça pipocaram temerosos de um retrocesso autoritário.
Mas outros fatores também foram cruciais no êxito da promotoria de justiça, na figura de Julio César Strassera (representado magistralmente pelo ator Ricardo Darin) e sua equipe de abnegados por justiça apesar de todo medo e ameaças sofridas durante todo o processo. O fator crucial foi separar o que é promotoria e o que são os representantes da justiça. Lá aconteceu o oposto do que ficamos sabendo tempos depois nos bastidores da Lava Jato onde os dois lados trabalharam juntos.
O segundo foi o fator convencimento a parcela da população (especialmente a classe média) que acreditava no discurso do poder militar. A mãe de Luis Moreno, promotor adjunto do processo, era uma ferrenha defensora. Discutia com o filho que passou boa parte do tempo como um proscrito da família até que no decorrer de produção de provas da barbárie militar Moreno recebe o telefonema da mãe que se rende a verdade e lhe pede desculpa por ter sido tão incompreensiva.
Estavam lá sentadinhos nos banco dos réus assassinos fardados como Jorge Videla, figura emblemática da ditadura militar. Para quem não tem formação política é aquele que usou a Copa do Mundo de 1978 como propaganda política na vitória da seleção argentina. Emílio Massera que comandou a temida ESMA, centro de detenção clandestina onde desapareceram milhares de argentinos. Ou Leopoldo Galtieri que comandou o país já quando a ditadura agonizava e, para desviar as atenções para a derrocada, inventou a Guerra das Malvinas que resultou na morte de centenas de argentinos. Entre outros milicos. Magistral a sacada do diretor do filme, Santiago Mitre, ao alternar imagens do roteiro e originais da reação dos presentes ao julgamento assim que foi proferida a sentença da milicada.
Filme imperdível para entender a Argentina e, por tabela, o Brasil.